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ZECA BALEIRO

(16/10/05)


Para todas as idades
Tudo começou no acústico da Gal Costa, em 1997. A participação foi pequena, mas suficiente para chamar atenção. No mesmo ano, veio o disco de estréia, Por Onde Andará Stephen Fry?, em referência ao ator inglês do seriado de tevê A Bit of Fry and Laurie (1986), exibido no Eurochannel, e do filme Para o Resto de Nossas Vidas (1992), de Kenneth Branagh. Brincadeira um tanto obscura para um disco de música popular Brasileira que serviu de amostra das referências que pontuam suas músicas.

Hoje, o maranhense Zeca Baleiro está com 39 anos, se tornou pai e acaba de lançar seu quinto álbum, Baladas do Asfalto & Outros Blues. Simultaneamente, coloca no mercado o seu próprio selo, Saravá Discos, dedicado a projetos alternativos. Na entrevista abaixo, ele conta quais são as duas primeiras empreitadas do selo, envolvendo Hilda Hilst (1930 – 2004) e Sérgio Sampaio (1947 – 1994), fala sobre o fim da supremacia das grandes gravadoras e diz ter medo do vale-tudo moral que o atual cenário político brasileiro pode inspirar.


Gazeta do Povo – No seu novo CD, Baladas do Asfalto & Outros Blues, as letras estão mais concisas e enxutas. Por outro lado, o tratamento dado aos arranjos está mais pesado, mais próximo do rock. Isso é resultado do quê?
Zeca Baleiro – Ainda não parei para pensar nesse assunto. O que posso dizer com certeza é que cada trabalho que você faz, esgota um meio e é preciso buscar novas formas de expressão. No último disco que eu fiz (PetShopMundoCão), as participações eram muitas, então a necessidade de concisão era natural depois disso. Acho que isso explica um pouco o fato de o disco ser todo muito fechadinho. Artisticamente falando, foi uma coisa meio casual. É um disco que eu sempre quis fazer, de canções ligeiras, de fácil digestão, para tocar tranqüilamente na rádio, sem ferir os ouvidos. Foi só prazer, uma coisa meio rock-and-roll on the road. Nos tempos atuais, pode até parecer um sentimento meio anacrônico, mas que eu acho interessante de cultivar.

Muitas canções falam de sentimentos, sensações e experiências mais pessoais. Como descreve o seu processo de criação, da inspiração para as letras – por que essa opção de se voltar mais para você mesmo?
Eu acho que a coisa mais imediata que você tem é falar das suas próprias emoções, da própria experiência de vida. Eu não sou o primeiro a fazer isso. Quando eu falo de mim, falo de coisas que são comuns – de anseios e tristezas.

No último show que você fez aqui, em Curitiba, eu estava lá e percebi uma coisa interessante: você é um artista “transgeracional” (risos). Das pessoas que curtem sua música, há desde adolescentes até cinqüentões. Isso não é uma coisa muito comum entre os artistas que apareceram na última década. Você já teve essa percepção de que a base do seu público é bem diversificada?
Já. Não saberia explicar, mas já me disseram isso há algum tempo. Acho isso bacana, acho uma conquista. No show de Curitiba, você falou assim “jovens e pessoas de 50 anos”, mas eu vi uma senhora de 80 anos!, que estava na primeira fila. Ela é pernambucana e mora em Curitiba há muito tempo. Ela fingia que cantava muitas das músicas, mas, a maior parte, cantava mesmo. Ela estava ali com conhecimento de causa.

É possível que essa comunicação tenha a ver com as suas influências. Poderia citar algumas, brasileiras ou estrangeiras, que tiveram impacto na sua formação como músico?
A música regional, até pelo fato de eu ter nascido no interior do Maranhão. Os cantores populares da época, que cantavam na rádio, como o próprio Fagner, o Alceu (Valença). E os ultrapopulares, Aldair José e Reginaldo Rossi.

Hoje, na Música Popular Brasileira, você percebe algum tipo de descentralização da cena musical, existe algum nome que chame a sua atenção ou alguém com quem gostaria de trabalhar?
Tem, tem sim. A coisa está tão veloz que, se você surgiu há quatro anos, já pode ser obsoleto. Mas tem uma coisa que se chama Totonho & Os Cabra (sic), criada pelo Totonho, um paraibano. Ele fez um disco fenomenal para ouvir com atenção. Eu gosto muito. Acho o cara interessantíssimo. A sonoridade, a poética, que não sofre influência nenhuma de mídia. Outro cara é o Wado, acho que é catarinense, radicado em Alagoas, que tem um trabalho muito interessante. Ele tem uma chama própria. Muita gente é incensada, mas vejo mais pretensão do que resultado.

Em um fenômeno do mercado de hoje, cada vez mais artistas, mesmo os mais conhecidos e consagrados, têm optado por criar selos próprios, ou se aliar a selos independentes. Houve uma mudança na relação do artista com a indústria?
Como você falou, acho que há uma descentralização nesse sentido. Antigamente, as gravadoras acumulavam um poder imenso, manipulavam como queriam. A cena mudou, as gravadoras não têm mais a mesma força, o mesmo poder de influência, não tem mais a mesma vendagem de antes, um pouco por conta da pirataria, um pouco por conta do advento da internet, da democratização dos meios de produção. A cena mudou. Essas iniciativas de artistas são bem-vindas porque areja um pouco mais a cena. Ninguém faz um selo ou qualquer outro tipo de coisa para não ganhar dinheiro. Na origem, existem intenções profissionais e mercadológicas. É óbvio que, quando você faz o seu selo, sua liberdade é muito maior.

É uma independência tanto do ponto de vista criativo quanto do ponto de vista financeiro.
É. É uma escolha que as pessoas fazem. Mostra como elas aspiram um lugar ao sol. Estou fazendo o meu selo também (Saravá Discos), com a intenção de fazer projetos paralelos. Dois lançamentos que inauguram o selo devem sair neste mês. O primeiro é um disco que fiz com poemas de Hilda Hilst, com a participação de dez cantoras, o outro é um álbum póstumo do Sérgio Sampaio (compositor capixaba, um dos ídolos de Baleiro).

Quais são as dez cantoras que transformaram os poemas de Hilda Hilst em músicas?
Rita Ribeiro, Verônica Sabino, Maria Bethânia, Jussara Silveira, Angela Rô Rô, Ná Ozzetti, Zélia Duncan, Olívia Byington, Mônica Salmaso e Angela Maria.

E como aconteceu a sua aproximação com a Hilda (escritora brasileira nascida em 1930 e morta em fevereiro do ano passado)?
Foi algo muito engraçado. Quando eu lancei meu primeiro disco, mandei uma cópia para algumas pessoas que eu admirava. Sem nenhuma expectativa maior. Uma semana depois, recebi um telefonema da Hilda. Ela estava assim, meio doentinha, tinha acabado de sofrer uma isquemia. Ela dizia que ouvia muito “Heavy Metal do Senhor”, uma de suas canções prediletas do disco. E disse que queria ser minha parceira. Eu tomei um susto. Conheci a obra da Hilda através de um amigo meu que era apaixonado por ela e eu fiquei chapado por sua literatura. Foi uma loucura. Ela disse “estou falando sério, quero ser sua parceira porque acho que essa história de literatura não dá nada, o grande lance é ser compositor”. Ali mesmo, no telefone, ela mandou um poema para mim. Algum tempo depois, a secretária dela mandou um disquete onde estava toda a obra poética dela. Eu fiquei encantando com o capítulo “Ode Descontínua e Remota para Flauta e Oboé” do livro Júbilo, Memória, Noviciado da Paixão. Eu comecei a musicar e mandei para ela.

Então ela chegou a conhecer essas canções?
Sim, todas, mas na minha voz. Só não ouviu as gravações das cantoras. Ela comentou as canções, fez algumas ressalvas aqui e acolá, sugeriu nomes – queria muito a Bethânia.

De que maneira a perplexidade das pessoas em relação ao futuro político do Brasil pode refletir na produção cultural do país e, principalmente, na sua?
O grande risco disso aí – que se estende a todos os setores da sociedade – é o de legitimar o comportamento “se todo mundo faz, eu também faço; se todo mundo pode, eu também posso”. Esse é o grande perigo. O grande bem que pode vir disso é a gente descer ao fundo do poço moral e emergir com um pouco mais de maturidade.

E mais autocrítica, talvez.
Mais autocrítica, mais autocobrança. Política, na origem, é nobre. Mas, na prática – historicamente –, se transformou em uma coisa obscura. Talvez isso tudo sirva para se chegar a outro momento. Mas sempre existe esse risco pairando, o de legitimar o vale-tudo moral.

Paulo Camargo com a colaboração de Irinêo Netto



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