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Vira Brasil, vira Portugal

(15/10/05)


Literatura
Portugueses conquistam o país, graças à atuação de instituto que promove escritores contemporâneos no exterior, arcando com 70% dos custos de edição

Por Federico Mengozzi, para o Valor

"O Brasil não conhece o Brasil", diz uma canção de Maurício Tapajós e Aldir Blanc. Da mesma forma, pode se dizer que o Brasil não conhece Portugal - e vice-versa. Na literatura, por exemplo, quando o assunto são os autores contemporâneos, o samba tem uma nota só: Fernando Pessoa. Ou duas, com José Saramago. Em relação aos contemporâneos da hora, o silêncio costuma ser a resposta.

A 1ª Festa Portuguesa de Cabo Frio, que acaba neste domingo, quis romper este círculo de desconhecimento ao trazer ao Brasil nomes como Ana Maria Magalhães, Ana Marques Gastão, Francisco Viegas, Helder Macedo, Herberto Helder, Inês Pedrosa e Jacinto Lucas Pires. E mais, representando as raízes portuguesas na África, os angolanos Filipa Melo e Manuel Rui Alves Monteiro. Do lado de cá, prova do caráter de congraçamento do evento, a presença de um time que junta consagrados e novos: Adriana Lisboa, Antonio Torres, Flávio Tavares, Ivan Junqueira, Ivo Barroso, Luiz Ruffato, Nelson de Oliveira etc.

O Boulevard Canal foi cenário para o encontro desses escritores portugueses, brasileiros e africanos, de saraus literários e performances de textos clássicos e contemporâneos. Promoveu-se uma aproximação que, nos últimos tempos, na via Portugal-Brasil, também ocorre nas livrarias. São títulos e mais títulos de autores portugueses, como Cruzeiro Seixas, Francisco José Viegas, José Luís Peixoto e tantos outros, recém-lançados. Poderia ser, mas não é, resultado de uma geração espontânea, que atende ao natural anseio de quem, descendente pelo sangue ou pela história, quer saber o que se faz em Portugal. A expansão dos lançamentos se dá graças à atuação do Instituto Português do Livro e das Bibliotecas (IPLB), fundado em 1997, que, entre suas atribuições, promove o "autor e a criação literária portugueses no estrangeiro". Trocando em miúdos, é em parte graças à atuação do instituto que tantos livros são lançados e tantos autores vêm ao Brasil.

"É um trabalho de diplomacia cultural", diz Eduardo Alves, editor de títulos portugueses da Planeta. "O IPLB cobre de 60% a 70% dos custos com a edição de livros de autores portugueses e autores africanos de língua portuguesa, também colaborando para sua divulgação." Em outros países, ajuda até na tradução. Além da Planeta, que tem uma coleção portuguesa, "Tanto Mar", outras editoras, como Agir, Escrituras (que também abriu uma série específica, "Ponte Velha"), Gryphus e Record, já se valeram do apoio do instituto. Não é o instituto quem indica os nomes, mas as editoras brasileiras, que, em concursos anuais, formalizam a intenção de publicar este ou aquele autor de obra de ficção, poesia ou ensaio. De um autor consagrado, como a octogenária Agustina Bessa-Luís ("Vale Abrãao", da Planeta), a um jovem autor, como Filipa Melo ("Este É o Meu Corpo", mesma editora), nascida em Angola e presente à feira de Cabo Frio. Critérios para aprovação: a importância do autor no panorama literário português e a relevância para a difusão da cultura de Portugal. É um subsídio a fundo perdido. O IPLB exige que seu apoio seja citado no livro, e que se estampe seu logotipo e do Ministério da Cultura de Portugal.

"Os portugueses", diz Alves, "fazem digressões filosóficas, atingem grandes profundidades, além de manter vínculos com sua tradição, dialogando com seus clássicos." Em linhas gerais, porém, os autores mais moços de lá e de cá têm formas e temas, e preocupações, que podem ser comparados.

Quando esteve aqui, a jornalista e escritora Margarida Rebelo Pinto ficou com a impressão de que o Brasil não conhecia nada de Portugal pós-Revolução dos Cravos. É justamente o período em que se dá o segundo momento do boom de qualidade da literatura portuguesa atual, afirma Marlise Vaz Bridi, professora de literatura portuguesa da Universidade de São Paulo e do Mackenzie. O primeiro, ela localiza no começo dos anos 1960, principalmente com a obra de José Cardoso Pires. "Magnífica!", exclama. O segundo, depois da Revolução, com José Saramago, sim, mas também com duas escritoras: Lídia Jorge e Teolinda Gersão. Além de António Lobo Antunes, Almeida Faria, Helder Macedo e outros. Vive-se o terceiro momento, diz, em que o "viés social fica em segundo plano e a questão passa a ser os valores". Aí entram Inês Pedrosa, também presente em Cabo Frio, Adília Lopes e, para Marlise, a melhor de todas, Dulce Maria Cardoso ("Campo de Sangue" foi lançado pela Cia. das Letras).

"A média das letras portuguesas é alta", garante Marlise, que não se considera uma "saramaguista" roxa, embora destaque obras "excelentes", como "Ensaio sobre a Cegueira", do único autor de língua portuguesa a receber o Prêmio Nobel. "Nos anos 1960 e 1970, a literatura portuguesa esteve entre o que se fez de melhor no século XX. É predominantemente urbana, com grande variedade e muita qualidade."



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