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Soros quer expurgar os EUA de Bush

(02/06/04)


Robinson Borges De São Paulo


George W. Bush tornou-se um expert em criar inimigos: o terrorista Osama bin Laden, o ex-presidente iraquiano Saddam Hussein e o premiado cineasta Michel Moore, que faz de sua obra um panfleto anti-Bush. Mas a lista não termina por aí. Seu mais novo adversário de peso é um outro George - o Soros - muito mais conhecido por sua atividade de megainvestidor do mercado financeiro do que pela de pensador de teoria política.

"Como vim do mercado, faço minhas apostas para ganhar. Na política, entretanto, minhas posições não são tomadas por que serão vencedoras, mas por que são corretas", disse Soros, em entrevista coletiva concedida ontem, em Nova York, da qual o Valor participou por telefone.

Seu ideário está no livro "A Bolha da Supremacia Americana", que será lançado no Brasil depois de amanhã pela Editora Record. Na obra, o guru do mercado oferece munição para Bush e toda a oligarquia republicana dos EUA, que o elegeram não só como inimigo, mas como traidor por suas visões sobre política interna e externa.

"Se for rejeitado em 2004, suas políticas (de Bush) poderão ser descartadas como uma aberração temporária, e a América poderá voltar a assumir seu devido lugar no concerto internacional", diz.

O perigo, segundo Soros, é que, se Bush for reeleito, essas políticas serão endossadas e os EUA terão de enfrentar as conseqüências. "Não basta derrotar o presidente Bush nas urnas. A América precisa reavaliar o seu papel no mundo e adotar uma visão mais construtiva", defende.

Soros avalia, entretanto, que no intervalo entre o lançamento do livro no mercado americano, em janeiro deste ano, e no Brasil, a bolha da supremacia americana já começou a explodir. "Ela estourou mais rapidamente e de forma mais dramática do que eu imaginava quando escrevi o livro. As fotografias da prisão (que mostram cenas de tortura de iraquianos por americanos) têm para mim o mesmo impacto que os ataques de 11 de setembro tiveram", afirma.

Para Soros, há uma conexão direta entre os dois eventos, mas tal relação ainda não foi compreendida nos EUA, em especial pelos eleitores. "A tortura está levando a uma gama de ressentimento e de mais ataques terroristas. Isso é um círculo vicioso de violência. Bush fez um erro básico ao combater o terrorismo criando novas vítimas."

Em "A Bolha da Supremacia Americana", Soros compara o governo Bush a uma bolha econômica do mercado de ações. Em sua opinião, as bolhas têm bases sólidas na realidade - o único problema é que a realidade pode ser distorcida por concepções equivocadas. Em condições normais, esses erros podem se autocorrigir, mas, algumas vezes, o engano pode ser reforçado e prevalecer.

"Eventualmente, o espaço entre a realidade e sua falsa interpretação se torna insustentável e a bolha estoura", compara. Eis o cenário do momento, no qual os EUA abandonaram todas as ambições no Iraque, exceto a de reduzir as mortes de soldados americanos - pelo menos, até as próximas eleições.

Soros afirma que as políticas do governo Bush devem levar o Iraque para o mesmo destino da Bósnia - uma guerra civil pela posse de territórios entre grupos étnicos, contexto que ele considera assustador, tanto para o Iraque, como para os EUA e para o mundo.

O que diferencia Soros dos outros desafetos de Bush é que, além de escrever contra o governo, ele também tem investido parte de sua fortuna para evitar que Bush seja reeleito.

Para Soros, a disputa presidencial deste ano nos EUA deve ser pautada pelos rumos da política internacional, ao contrário do que ocorreria normalmente em tempos de paz - quando bons índices poderiam conduzir o presidente à reeleição.

"A economia é que constrói uma eleição, mas como os EUA estão em guerra, criada pelo presidente Bush, acho que (a política internacional) é mais importante do que a economia. E deveria ser", afirma. "O estouro da bolha levou a popularidade do presidente a níveis que o conduzirão a perder (as eleições)", continua.

Soros parte do pressuposto de que Bush explorou os ataques de 11 de setembro para promover políticas que, em outra situação, o público americano não aceitaria. A melhor resposta para os atentados seria tratá-los com os mecanismos da lei para criminosos, sem perder a noção de que os EUA são a maior potência do mundo.

A auto-estima elevada pode ter comprometido as decisões da Casa Branca, que agora reverberam negativamente no mundo. "Depois do Iraque, houve uma grande mudança na atitude da comunidade internacional. O governo Bush pode ser acusado de ser guiado pela ideologia, mas eles não são bobos. Eles sabem que (a guerra ) o Iraque não funcionou. Estão agora cortejando a ONU e os europeus."

A queda na popularidade de Bush fez com que outra bolha estourasse: a da mídia. "Quando Bush tinha 80% de popularidade, não havia crítica. Agora que ele está afundando, a pressão aumenta. A mídia está servindo o mercado", analisa Soros.

Soros admite que, mesmo que John Kerry venha a vencer as eleições, o ano de 2005 deve ser visto com mais cautela em termos de economia global. Dois grandes mercados, o americano e o chinês, estão prospectando uma desaceleração. O cenário pode ganhar contornos mais cinzentos diante da alta do petróleo, vista por Soros como efeito colateral da guerra contra o terrorismo de Bush.

Caso haja mudança de governo e os EUA queiram reposicionar-se no mundo, terão de corrigir algumas deficiências da globalização, recomenda Soros. Para se chegar às metas de desenvolvimento do milênio, que exigiria US$ 50 bilhões por ano, os EUA teriam de colaborar com algo em torno de US$ 16 bilhões.

"Acho que será muito melhor do que gastar US$ 160 bilhões no Iraque. Minha proposta é que em 2005 - especialmente se a economia estiver mais frágil - será muito bom deslocar esse dinheiro para os países em desenvolvimento."

Soros não quis se estender em comentários sobre o Brasil, mas acredita que a redução da atividade econômica na China pode prejudicar a economia do maior país da América do Sul.

Sua análise sobre a Argentina é mais enfática. Para ele, a moratória foi benéfica para o país, pois representou um alívio imediato. Mas isso não significa que seja uma receita a ser seguida. "Os fundamentos do Brasil estão muito melhores do que os da Argentina antes da moratória. Seria muito imprudente para o Brasil contemplar essa alternativa", afirma.

A reação de Soros às políticas do governo Bush, segundo ele próprio, encontra explicação em sua formação de garoto judeu na Hungria, durante a Segunda Guerra. "Vivi tanto a ocupação alemã, como a soviética e aprendi muito cedo que os sistemas políticos podem afetar nossa própria sobrevivência", conclui Soros, que em agosto completa 74 anos.




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