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Professor documenta cotidiano de Hilda Hilst na Casa do Sol

(14/02/04)


A figura controvertida da escritora jauense Hilda Hilst, morta aos 73 anos na semana passada de falência múltipla dos órgãos, motivou o professor de Marketing da Esamc Sorocaba, Fabiano Silvestre, a realizar um documentário intitulado "Hilda Humana Hilst", em 2002. No trabalho, feito sob orientação do professor do Departamento de Multi-Meios da Universidade de Campinas (Unicamp), Paulo Martins, Silvestre e mais dez colegas decidiram traçar um perfil da figura humana da escritora, "e não da artista que se tornou polêmica pelo que escrevia e dizia".
Ele revela que quando iniciou os preparativos para o documentário, ficou meio apreensivo sobre como seria recebido pela escritora. "Cheguei cheio de dedos, confesso. Antes do primeiro contato, trazia a imagem de uma pessoa de difícil trato, ranzinza. Porém, ao longo dos seis meses de convivência com ela fui descobrindo uma escritora sensível, verdadeira, espiritualizada", garante.
Fabiano Silvestre revela que antes de iniciar o processo de captação das imagens, conviveu com Hilst por um mês e meio: "fui mergulhando no universo da escritora aos poucos, conhecendo sua rotina, sua casa, seus animais. A partir daí, fui ganhando sua confiança e traçando as imagens do que queria gravar".
Quando as filmagens iniciaram efetivamente, o professor se surprendeu com a espontaneidade e sinceridade da escritora: a relação conflituosa com os seus criticos que nunca souberam entender seu trabalho; a afetividade que mantinha pelos animais; sua transcendência material; sua vaidade pessoal. Quem conhece um pouco da sua vida, sabe que Hilda Hilst, no passado, foi uma mulher atraente, de forma física invejável. Silvestre lembra que ela tinha uma certa preocupação com a vaidade pessoal. "Era evidente que a deteriorização do tempo em seu corpo provocou profundas marcas. Ela se ressentia muito de testemunhar a sua velhice, a pele enrugada pelo tempo", conta.
Outra mágoa que levava, segundo ele, era com as pessoas que nunca souberam entender seus escritos. "Ela não conseguia aceitar essa injustiça. Não sabia porque as pessoas não entendiam sua literatura". Ele lembra também que Hilst era excessivamente espiritualizada e que acreditava ver sua mãe e pai, já falecidos, na chácara onde morava. "Era uma pessoa totalmente transcendente", afirma.
Outra coisa que o impressionou bastante foi o fato dela não querer ter filho. "Uma vez abordei o assunto com ela. A justificativa que me deu foi que ela teve um pai esquizofrênico e que tinha medo de que isso se transferisse para os filhos, daí a decisão de não querer ser mãe". Para o professor, talvez seja esse o motivo dela ter tantos animais na casa onde morava - mais de setenta cachorros. "Era uma transferência afetiva dos filhos que não teve para os animais", acredita.
Após concluir o filme, Fabiano Silvestre disse ter exibido para a própria escritora e que ela gostou do que viu. Ele admite que não realizou um trabalho comercial, "não tive essa pretensão". "Na verdade, o filme é somente um estudo sobre uma das personalidades mais interessantes que tive a oportunidade de conhecer", diz. "Hilda Humana Hilst" já foi exibido na TV Cultura e no canal People & Arts, da TV à cabo.
E qual sentimento ficou, vendo esse trabalho hoje? "É emocionante! Quando iniciei o trabalho sabia que não seria um trabalho fácil. Mas descobri, ao longo desses seis meses, que ela tinha magia, era encantadora", observa ele que faz uma revelação: não leu nenhum livro dos 41 publicados por ela. "Tem que estar preparado", admite. (G.S.)



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