Pianista Carlos Aguirre e o samba na terra deles
(13/01/03)
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Fazer música , às vezes, parece muito simples. Um violão, uma voz afinada, um bumbo. Canções que bebem na fonte antiga. Versos sobre a lua, ou sobre o sol; sobre o amor, a amizade, a memória.
Mas música simples é rara, e mais rara ainda quando combinada à delicadeza, como é o caso neste CD tão bonito do compositor, pianista e cantor argentino Carlos Aguirre.
Gravado em Entre Rios, em 1999, o disco sai no Brasil numa parceria entre o selo Núcleo Contemporâneo, o Instituto Cultural Casa Via Magia e o Mercado Cultural (grande feira internacional de produtores que acontece anualmente em Salvador). O lançamento não poderia ser mais oportuno, em tempos de prometida integração latina; é o primeiro de uma anunciada coleção de artistas latino-americanos.
"A quién no le gusta la zamba..." bom sujeito não é, mas o fato é que a gente conhece muito pouco da música popular da Argentina. Gardel e Piazzola; Piazzola e Gardel. Há alguns anos, Mercedes Sosa entraria na lista; hoje, não mais. "Faltam tantos que, se faltar mais um, não vai caber", diria Macedonio Fernández (pequeno grande nome da literatura argentina -que também se conhece pouco, embora não tão pouco quanto a música).
A simplicidade da música de Carlos Aguirre é de um refinamento tal que seria melhor usar outra palavra. São canções na segunda potência, atualizando "zambas" e "coplas" numa outra língua, sutilmente descolada da original, e compreensível agora em qualquer tempo e lugar.
O próprio Aguirre compõe quase tudo o que toca e canta; quer dizer, a garimpagem e a tradução do passado já se dão dentro da música, tanto quanto na interpretação.
Ele só toca piano em quatro das 13 faixas. Pena, porque uma canção como "Zamba de Usted" (Félix Luna e Ariel Ramírez) vale o disco sozinha. Não é apenas o controle de tom e tempo que impressiona, mas a intensidade afetiva, num ponto justo entre o natural e o sentimental. Por outro lado, só o Aguirre compositor teria a coragem de silenciar o pianista, para que os violões acomodem mais a caráter a voz afinada e discreta do Aguirre cantor.
Os violões são tão bons que é preciso dar nome: Silvina López e Jorge Martí. Como pode um simples "rasgueado" seco, para cima, concentrar tanta coisa? Tecnicamente: contratempo acentuado, na segunda colcheia do segundo tempo de um compasso ternário. Mas tente fazer para ver. E nem se falou das conversas entre os violões, e entre os dois e o excelente baixista Fernando Silva.
As letras (também de Aguirre) vêm acompanhadas de breves poemas, ou comentários, sugerindo as circunstâncias, ou imagens primais de cada música. Importa pouco se nem sempre chegam ao grau de despojamento certeiro da composição. A música reescreve a leitura noutro tom.
Para além de remediar minimamente nossa ignorância da música argentina, um disco desses conforta e faz bem. É uma lavagem inesperada do espírito. Um tônico do humor. Quem diria, um remédio latino! Vem a calhar para todos nós, há tanto tempo ruins da "cabeza", tanto tempo doentes "del pie".
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Carlos Aguirre Grupo
Artista: Carlos Aguirre
Lançamento: Núcleo Contemporâneo
Quanto: R$ 18
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