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Maria Rita Mariano, a exibida

(10/02/03)


São Paulo - Maria Rita Mariano fechou contrato com a gravadora WEA. Seu primeiro disco-solo sai em agosto ou setembro. Todas as gravadoras, as grandes e as pequenas, queriam contratá-la. Todos os músicos querem tocar com ela e todos os compositores querem que ela cante suas canções. Todos os palcos a desejam. O público espanta-se: ela é um fenômeno. Seu canto é deslumbrante, um raríssimo composto de ternura e expressão incisiva. Houve uma mulher que cantava assim. O nome dela era Elis Regina, mãe de Maria Rita Mariano.

Dá-se, com ela, um caso fora do esquadro. Num tempo em que a indústria da música joga fora os talentos e não arrisca um centavo em novidades, ela é a novidade bem-vinda e o talento em que vale a pena apostar. Mas, em grande parte, por motivos errados. Cacifar em Maria Rita Mariano parece jogo marcado. Afinal, ela é filha de Elis Regina. E isso é tudo o que Maria Rita não quer ser. Sombra de quem for. Jogando duro com as circunstâncias, dura sobretudo consigo, ela chegou a pensar até em não ser cantora. O caminho era complicado. Mas a fila precisa andar. Lá vai Maria Rita.

Hoje ela estréia no Supremo Musical, um palco em que já esteve, com o violonista e compositor Chico Pinheiro, a cantora Luciana Alves e outros bambas de sua geração. Mas agora ela é a estrela. Vai acompanhada pelo piano de Tiago Costa, o contrabaixo de Giba Pinto e a bateria de Marco da Costa. Promete repertório aberto: para rir e chorar. Ela consegue.

Aos 16 anos - hoje tem 25 -, Maria Rita foi para os Estados Unidos, com o pai, o pianista César Camargo Mariano. "Ele foi trabalhar lá. Eu era menor, precisava ir; queria também aprender inglês e pretendia voltar quando chegasse à maioridade", conta. "Mas não aconteceu. Fui ficando em Manhattan". Maria Rita formou-se em Comunicações e Estudos Latino-Americanos, trabalhou, ganhou bem, foi promovida e poderia ter ficado por ali. "Foi uma oportunidade muito importante, para que eu pudesse entender a minha história, a história da minha família, vendo a coisa de fora", diz.

Nesse tempo, ouviu pouca música brasileira. "Chegava lá quase nada. Caetano, Gil, Marisa Monte. E acontecia muita coisa por aqui de que eu não tinha notícia. Lenine, Chico César, mangue beat - eu não sabia disso. E imagine o meu espanto quando voltei: todo mundo era ´filho de´. Com ou sem mérito, não importa, eram ´filhos de´. O que poderia eu fazer para não ser mais um na lista?"

Ela mesma responde: "Eu sempre escolhi o caminho mais difícil, desde que fosse o que me permitisse dormir à noite" - e assim foi. Maria Rita correu o risco de estrear como cantora de jingle publicitário, tirou o corpo fora. Correu o risco de cantar o repertório da mãe, tirou o corpo fora. Correu o risco de virar "fenômeno" - foi inteligente o bastante para dispensar as aspas. O caminho mais fácil parecia ser o de ir trabalhar com o irmão, o produtor João Marcelo Bôscoli, diretor da gravadora Trama, um selo alternativo com muito dinheiro de respaldo, mas Maria Rita viu outra brecha.

Encontrou sua turma, meninada de sua geração, com perspectiva estética refinada e muito bem definida - um problema, grana, quase nada, mas é uma turma que faz música bonita, e isso importa mais. Maria Rita apareceu no ano passado, no Supremo Musical, com o já mencionado Chico Pinheiro e dividindo os vocais com a cantora Luciana Alves. O show já tem um ano e ainda está em cartaz. Na semana passada, eles estavam na Bahia. Lotam as casas por onde passam. São palcos pequenos, é verdade - o Supremo abriga 80 espectadores. Lotariam casas maiores, mas não é o que eles querem, não agora. Essa turma pisa firme e sabe onde quer chegar.

Ao inevitável assédio, Maria Rita respondeu com suas honestíssimas dúvidas. "Eu já vinha querendo fazer um show meu, e a história com o Chico foi dando certo, eu fui adquirindo experiência de palco, e fomos. Eu precisava de repertório, e passei a sair pela noite, ouvindo as pessoas, até que, no fim do ano, eu já tinha um monte de idéia na cabeça; aí me juntei com o Marquinho da Costa, que toca bateria comigo, disse o que pensava, chamamos os outros músicos e começamos a trabalhar. Fizemos os arranjos coletivamente e achei que era melhor testar o repertório no palco, antes de pôr as coisas no disco. Assim a gente estabelece cumplicidade com o público e o público fica sabendo como a gente é. Quando disco sair, se as pessoas comprarem já saberão o que tem nele. Se não comprarem, tudo bem, mas não será preciso jogar o dinheiro fora, em aposta no escuro."

Essa coisa do mercado, da máquina que opera e dirige a produção cultural, não assusta mais a Maria Rita Mariano. "A gente é responsável pelo funcionamento da máquina", ela fecha a questão: "No que nos diz respeito, a gente é responsável" - por isso, nada de alianças fáceis, nada de concessões, nem de restrições. Maria Rita é ambiciosa. Quer ser uma cantora popular. Quer emocionar e alegrar platéias. Seu repertório tem de Lenine (Silêncio das Estrelas) a Jorge Vercilo e Rita Lee (Só de Você). Tem balada de sabor caipira do violonista Natan Marques, que tocou com sua mãe, e canção do pai César Camargo Mariano com letra de Lula Barbosa (O que Fazer de Mim). Tem composições da moçada nova, como do mineiro Renato Motha, e coisas já gravadas pelo paulista Renato Braz.

Essa gente é muito bacana. Embora não se veja na televisão nem se ouça no rádio, existe um futuro para a música brasileira e está com eles e seus pares. E o que eles fazem é contagiante. Para ficar num exemplo: o grande Milton Nascimento passou 20 anos fazendo discos menores. No fim do ano passado, lançou, finalmente, um disco à altura de seu gênio. Não por acaso, cercado de gente nova, de quem o leitor talvez não tenha ouvido falar, mas ouvirá. Participações especiais de três cantoras: Marina Machado, Simone Guimarães e Maria Rita Mariano.

Há uma conexão na volta de Milton Nascimento a seu posto de honra e o encontro com a gente nova, e quem não a enxergar é surdo. Para não ficar surdo, ouvir Maria Rita Mariano é um bom remédio. "Eu montei um show para me exibir", ela diz. Tem o que exibir. Tem que exibir.

Mauro Dias



há mais de 20 anos na Luta pela Integração Latino-Americana