CASLA - NOTÍCIAS


Jornalista Glauber Rocha

(03/05/03)


Reedição de livro traz artigos do cineasta, a maior parte publicada no JB

Cristiane Costa e Catherina Epprecht

Editora do Idéias e Especial para o JB
Carlos Wrede


Aos 22 anos de idade, Glauber Rocha não passava de uma promessa. Em 1961, o cineasta tinha em seu currículo apenas os curtas O pátio, de 1958, e A cruz na praça, de 1959. Mas foi nas páginas do Suplemento Dominical do Jornal do Brasil que se tornou nacionalmente conhecido. Jornalista antes de ser cineasta, é curioso que sua primeira matéria, ainda num jornal da Bahia, tenha sido uma reportagem policial.


Foi na imprensa que se criou Glauber, o cineasta, o polemista e talvez até o mito. Especialmente após a colaboração com o SDJB, indispensável para o movimento de cinema novo. O próprio Glauber registra isso no livro Revisão crítica do cinema brasileiro, publicado pela primeira vez em 1963 e agora reeditado pela Cosac & Naify, dentro da coleção Glauberiana, organizada por Ismail Xavier.


Nas páginas do jornal, foi consolidado o slogan do cinema novo: 'Uma câmara na mão e uma idéia - este lema valeria, em 1961, como meu cavalo de batalha nas páginas do Suplemento Dominical do Jornal do Brasil', conta Glauber no artigo 'Independentes'.


Glauber Rocha não batia ponto na redação do Jornal do Brasil, era apenas mais um colaborador de um suplemento que marcaria a história da imprensa brasileira por sua diagramação ousada e o debate cultural de altíssimo nível. Nas páginas do suplemento criado por Reynaldo Jardim, escreviam nomes como Ferreira Gullar, Mário Faustino, Sérgio Paulo Rouanet, José Guilherme Merquior, José Lino Grunewald e Carlinhos Oliveira. Um bando de jovens e desconhecidos, como Glauber.


- Não me lembro do Glauber na redação. Ninguém sabia quem ele era. Só ficou conhecido depois - conta Wilson Figueiredo, hoje vice-presidente do Jornal do Brasil.


Ainda que desconhecido, Glauber já começava a gerar polêmica. Seus dois primeiros artigos no Suplemento, publicados em 7 e 14 de janeiro de 1961, eram respostas agressivas ao jornalista Paulo Francis, que atacara a Escola de Teatro da Universidade da Bahia. A pesquisadora Ivana Bentes, organizadora de Cartas ao mundo, com a correspondência de Glauber e autora de Joaquim Pedro de Andrade, afirma que a polêmica que provocava com seus artigos no jornal foi um aspecto fundamental na vida de Glauber.


- Mais do que pelos filmes, ele se tornou um personagem público por conta da polêmica no jornal.


A repercussão era ainda maior, porque o SDJB já tinha uma postura tradicionalmente questionadora.


- Nessa época ele esteve em contato com grandes questões das artes plásticas. No SDJB também estava sendo feita uma discussão literária de alto nível. Além disso, foi no Suplemento que se consolidou o termo cinema novo, que ele também chamava de cinema 'bossa nova' - conta Ismail Xavier, organizador da nova edição de Revisão crítica do cinema brasileiro.


O jornalista Sérgio Augusto tem lembranças da agitação de Glauber na época da imprensa estudantil, no jornal Metropolitano, da PUC, no qual também escreviam Arnaldo Jabor, Cacá Diegues, Vianinha e David Neves:


- Ele tinha aquela exuberância de baiano, adorava gerar discussão. Uma vez saiu dizendo que José de Alencar era muito melhor que Machado de Assis e que Jorge Amado era melhor que Graciliano Ramos.


Segundo Sérgio Augusto, apesar das confusões, o cineasta/jornalista era muito carinhoso com os colegas. E arrisca uma explicação para a radicalidade de Glauber:


- Eu achava suas histórias deliciosas. Fazia estas coisas para levantar questões, para fazer pensar.


De fato, nos anos 60, o jornal era mais um lugar de produção de pensamento que um meio de divulgação. E Glauber não o entendia de forma diferente. Para defender a idéias em sua cabeça, não media palavras.



- O jornal para o Glauber era uma espécie de tribuna pública - comenta Ivana Bentes, que recolheu, para uma pesquisa sobre o Glauber jornalista, grande quantidade de artigos publicados na imprensa, tanto na Bahia quanto no Rio de Janeiro, de 1958 a 1981.



- São artigos bem opinativos. Há análises, mas também muita opinião. Glauber não tinha muitas papas na língua e estava muito preocupado com o que era bom ou ruim para o cinema brasileiro.


Uma de suas preocupações era desenvolver uma forma engajada de fazer cinema. No livro e em artigos da época percebe-se sua preocupação com um cinema revolucionário. Era veemente e radical a ponto de chamar de fascista o filme O cangaceiro, ganhador da menção honrosa do Festival de Cannes, pelo seu apelo ao nacionalismo.


- Glauber não era de fazer gracinhas. Era um homem bomba - comenta Reynaldo Jardim, criador do SDJB. - Ele ia ao jornal com alguma freqüência, mesmo quando era para não entregar artigos. Podia não conhecer toda equipe. Mas toda equipe já o admirava pelo talento e rebeldia. Por lá ele sempre foi muito querido.


Sua relação com os jornalistas da época era pacífica, não só por ser um deles, mas também porque muitos jornalistas defendiam o cinema novo. Os cineastas é que sofriam em sua mão.


A nova edição de Revisão crítica do cinema brasileiro traz uma fortuna crítica com algumas das reações à sua primeira edição. Entre elas, uma de B. J. Duarte, publicado em 10 de novembro de 1963, logo que a obra foi lançada, trazendo uma bela descrição de Glauber e de sua forma de escrever: 'De seu físico me lembro bem: rapaz magro, de roupa e cabelo desalinhados, falando com volubilidade e grandes gestos abarcando a frase. De seu espírito pude avaliar o peso através de seus escritos na imprensa carioca, ou pelo testemunho de amizade comum (...) Pois bem, ao ler agora a obra de Glauber Rocha, parece-me que estou a vê-lo, cabelos revoltos e roupa desmanzelada... Porque seu livro se parece com ele, na linguagem pouco cuidada, naquele seu estilo irreverente, às vezes desabrido.' Mas nos quatro artigos seguintes, publicados no mesmo ano, B. J. Duarte mete o pau no cineasta e no livro. De pedra, o polemista virou vidraça.




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