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Homem cordial e violento - Marcos Luiz Bretas

(07/06/03)


Quando, na década de 30, Sérgio Buarque de Holanda usou a expressão "homem cordial’, emprestada de Ribeiro Couto, para coroar seu estudo sobre as raízes do Brasil, tocou numa tecla sensível do imaginário nacional e iniciou uma longa discussão. É a nação das pessoas quentes, amistosas, especialmente nesta cidade do Rio de Janeiro, berço do samba, dos apaixonados por futebol e do verão que revela uma sexualidade avassaladora.

Mas muitos se apressaram em chamar a atenção que a nação do homem cordial é também aquela que atinge índices assustadores de violência urbana e rural, onde se morre por muito pouco ou por nada. Este dilema sempre esteve presente nas histórias do Brasil, terra das escravas sensuais e da miscigenação, mas também terra que mais recebeu e matou escravos africanos, submetidos a esforços e punições atrozes. Nação que se enobreceu libertando os escravos - um pouco tarde, é bem verdade - mas que também não fez nada por eles, libertando-os para a miséria, para errarem pelas cidades e pelos campos formando uma classe de despossuídos. A escravidãoNão existia mais, era melhor esquecer. Nação que nos pede para lembrar, que aniversaria, mas ao mesmo tempo prefere esquecer umas coisinhas, uns maus momentos.

Qualquer hora é boa para pensar nesta herança, onde somos chamados a escolher de que lado estamos, qual destas seria a nossa verdadeira história. Somos um povo cordial ou violento? É impossível separar as duas peças.

Na cordialidade brasileira prevalecem regras muito estritas de fraternidade que legitimam e até exigem que por vezes se faça uso da violência. O que é condenado de forma geral, parece compreensível em situações específicas, quando envolve relações pessoais. Atropelou e matou, possivelmente embriagado, mas eu sei que é um sujeito legal. Afinal de contas, traficantes devem ser presos quando são desconhecidos, mas amparados quando entram no nosso círculo de relações. Infelizmente, a banda podre não é composta de monstros; ao contrário, eles podem ser muito cordiais, afinal, são brasileiros.

Marcos Luiz Bretas é professor do Departamento de História da UFRJ e autor de Ordem na Cidade, Rocco



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