Flores Partidas de Jim Jarmusch
(25/09/05)
Jim Jarmusch fala sobre seu novo filme, "Flores Partidas", vencedor do Grande Prêmio do júri de Cannes e que estréia no Festival do Rio e na Mostra de São Paulo
O eterno estranho no Paraíso
Por Elaine Guerini, para o Valor De San Sebastian (Espanha)
Quando subiu ao palco do Grand Théâtre Lumière, em Cannes, para receber das mãos de Fanny Ardant o Grande Prêmio do júri por "Flores Partidas", Jim Jarmusch disse não acreditar em competição no universo artístico. Mas aceitou a estatueta "em nome dos diretores que seguem o coração e traduzem na tela a sua visão do mundo". Indiretamente, o cineasta falava de si mesmo. Poucos diretores (sobretudo entre os americanos) apresentam um estilo tão pessoal e insólito quanto Jarmusch. Enquanto alguns de seus colegas do cinema independente fazem concessões, como Steven Soderbergh, o autor de obras originais como "Estranhos no Paraíso" (1984) e "Daunbailó" (1986) não se rende ao cinemão hollywoodiano.
Assistir a um filme de Jarmusch significa penetrar no mundo particular do diretor - onde não há espaço para a lógica, a objetividade e a previsibilidade. "Nem saberia como definir meu cinema. Só posso dizer que o que mais me interessa são os detalhes e as nuanças dos personagens e não necessariamente o desenrolar da trama", diz . É por isso que seus filmes têm vocação cult, sendo marcados por planos longos, passagens poéticas, diálogos quase nonsense e uso inspirado da música.
O mesmo ocorre em "Flores Partidas", exibido em caráter hors concours na última quarta-feira no 53º Festival de Cinema de San Sebastian, que se estende até amanhã no Norte da Espanha. No Brasil, antes de ser lançado pela Europa Filmes, o longa será apresentado nos dias 1º, 5 e 6 de outubro no Festival do Rio, inaugurado ontem. Também será uma das atrações da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, a partir de 22 de outubro.
Aliando mais uma vez simplicidade e criatividade, o cineasta nascido em Akron (Ohio) e radicado em Nova York escolhe a temática da incomunicabilidade entre as pessoas - assunto recorrente em sua obra. Aqui, essa impossibilidade de entendimento é mais específica, entre homens e mulheres, e não envolve necessariamente diferentes culturas. Bill Murray (que volta a ser dirigido por Jarmusch depois do segmento em "Coffee and Cigarettes", de 2003) interpreta Don Johnston, um sujeito que fez a vida no ramo dos computadores. Mas passa o dia entediado na sua bela casa, sentado no sofá, vendo TV ou ouvindo música, sem que realmente preste atenção numa coisa ou outra. Um dia, recebe uma carta cor-de-rosa e anônima de uma suposta ex-namorada, avisando que o filho deles deve estar no encalço do pai. Detalhe: o homem não tinha conhecimento de ter engravidado a tal mulher, que não vê há 20 anos.
Ex-freqüentador do curso de cinema da New York Film School e da Cinémathèque Francaise de Paris, Jarmusch concebeu "Flores Partidas" como homenagem ao diretor francês Jean Eustache (1938-1981). "O relacionamento homem-mulher traz ansiedade e solidão, por não sentirmos que somos inteiramente compreendidos pelo outro. É uma saudade de algo perdido, sem saber exatamente o quê", contou o cineasta, que mais uma vez trata os seus personagens com ternura.
Esse estranho protagonista, familiar apenas para quem está acostumado ao imaginário de Jarmusch, põe o pé na estrada em busca das ex-namoradas. "A viagem é uma metáfora da vida do personagem. Sempre fui atraído por histórias em que as coisas mudam ao nosso redor, enquanto percorremos o mundo. A "Odisséia" de Homero não me sai da cabeça." Ainda que o personagem nunca cruze a fronteira, permanecendo em seu país, a sensação ainda é de puro estrangeirismo e estranheza. "Os verdadeiros americanos foram os índios. Todo o resto veio de outros lugares. Mas o povo dos EUA ainda sofre de um nacionalismo pernicioso, querendo manter as outras culturas alheias. Seria muito mais indicado nos familiarizarmos com o desconhecido, para ganhar outra visão de nosso modo de vida."
|