Em busca da Terra do Nunca - ISABEL ALLENDE
(15/10/05)
Por Federico Mengozzi, para o Valor
Dos 8 aos 80 anos. A escritora Isabel Allende quer escrever, se possível, para todo tipo de leitor. Por isso, a trilogia "As Aventuras da Águia e do Jaguar", do filão que os americanos definem como "young adult", que tanto pode interessar a uma criança quanto a um adulto. "Desde que tenham o coração jovem", assinala a escritora, de 62 anos de idade e quase 25 de carreira. De certa maneira, ela mergulha na seara de um Júlio Verne, cujo centenário de morte ocorre este ano, que escrevia - e é lido - por todos.
Ao dirigir um livro para jovens e adultos, a autora não vê maiores contradições. Em ambos os casos, afirma, é necessário desenvolver personagens e temas, aprofundar os conceitos, burilar a linguagem. Mas é um gênero que, ao contrário da literatura dita séria - ela estreou com um sucesso, "A Casa dos Espíritos", impondo-se imediatamente no panorama da literatura latino-americana -, inclui mais lances de ação e aventura, e mais diálogos, aproximando-se de um filme, por exemplo.
"A Floresta dos Pigmeus" (Bertrand Brasil, 224 páginas, R$ 29,00) é o terceiro título da série, seguindo-se a "A Cidades das Feras" e "O Reino do Dragão de Ouro". Agora, o grupo conduzido pela jornalista Kate Cold, que escreve grandes reportagens para uma importante revista, conduz uma expedição ao Quênia, na África. Ela está acompanhada do neto Alexander, o Jaguar, e da jovem Nádia, a Águia, ambos dotados de providenciais poderes paranormais, e têm diante de si, além dos perigos naturais e/ou transcendentes, um mistério: um grupo de missionários desapareceu. O maior inimigo, claro, são os homens. No livro e fora dele, como adverte no pequeno preâmbulo, Isabel reafirma seu compromisso com a defesa das florestas, particularmente as do Chile, ainda virgens, contra a gula das madeireiras e demais vilões ambientais.
"Em todos os meus romances, e de modo particular nesta trilogia", escreve, "repete-se um componente ético e de respeito à natureza e a seus habitantes." "A Cidade das Feras" abordava a questão ecológica, enquanto "O Reino do Dragão de Ouro" falava da tolerância. "A Floresta dos Pigmeus", escrito quando o presidente George W. Bush decretou a invasão do Iraque, tem a paz como fio condutor. "Estava com minha família protestando nas ruas contra a guerra", lembra.
Apesar dos temas, Isabel, que já vendeu cerca de 40 milhões de livros, recusa-se a passar mensagens explícitas a seus leitores e acredita que eles, principalmente os mais jovens, que já nasceram plugados no mundo, "sabem mais do que eu..."
Peruana, embora de nacionalidade chilena, e sobrinha do ex-presidente do Chile, Salvador Allende, Isabel já tem um outro novo livro na praça, "El Zorro - Comienza la Leyenda", que chega às livrarias do Brasil, pela Bertrand, no primeiro semestre de 2006. A história não foge do filão "young adult". Com este romance, a autora resgata os primeiros anos de vida do herói mascarado, focalizando a época de aprendizagem de Diego de la Vega antes de se tornar herói. Filho de uma índia, o rapaz se transforma no justiceiro Zorro, aos 15 anos, tendo de viajar da Califórnia a Barcelona. O momento histórico é rico em nuances: a Revolução Francesa. Na Espanha, Diego conhece o amor e adquire habilidades com a espada.
Como surgiu a idéia de escrever sobre Zorro? Isabel estava em sua casa quando chegaram os detentores dos direitos autorais da história do herói e a convidaram para escrever um livro a seu estilo sobre ele. Recusou-se, a princípio, mas cedeu ao pensar na possibilidade de construir uma ponte entre os EUA e a Espanha.
Isabel define Zorro como um herói popular, romântico, cômico, atlético e em luta pela justiça. É curiosa, acima de tudo, sua leitura da herança literária que compõe o caráter do personagem: Zorro tem traços de Robin Hood, Peter Pan e Che Guevara.
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista de Isabel ao Valor.
Valor: Como a senhora situa em sua obra os livros "A Cidade das Feras", "O Reino do Dragão de Ouro" e o recém-lançado, no Brasil, "A Floresta dos Pigmeus" ?
Isabel Allende: Escrevo há 24 anos e explorei muitos gêneros: romances, memórias, contos, romances históricos, livros não-ficcionais, como "Meu País Inventado", e até livros tão inesperados quanto "Afrodite: Receitas, Contos e Outros Afrodisíacos" e o recém-lançado "El Zorro - Comienza la Leyenda". A idéia de escrever uma trilogia para jovens foi simplesmente uma experiência. Esse gênero, que nos EUA se chama "young adult", ou para jovens adultos, é muito flexível, já que inclui de crianças pequenas a adultos de qualquer idade, desde que tenham o coração jovem.
Valor: Como conciliar a literatura para adultos com a literatura para crianças e jovens? São raros os autores que conseguem igual sucesso nas duas, não é?
Isabel: Escrever para jovens não entra em contradição com a literatura para adultos. Em ambos os casos é preciso profundidade de idéias e cuidado com a linguagem. Na literatura para jovens se espera mais ação, aventura e diálogo, mas o desenvolvimento dos personagens e do tema é similar ao de outros livros.
Valor: Além da narrativa em si, o que a senhora quer passar para seus leitores com esses livros? Alguma mensagem em particular?
Isabel: "A Cidade das Feras" tem como tema principal a ecologia, o respeito à natureza e aos povos que vivem de maneira diferente da nossa. Escrevi "O Reino do Dragão de Ouro" quando se tornou evidente no mundo o crescimento do fundamentalismo religioso (muçulmano, cristão, judeu etc.) e a violência que exerce sobre quem não participa de suas idéias, em especial contra as mulheres. Por essa razão, escolhi o Himalaia, monges tibetanos e uma cultura de tolerância e compaixão. O terceiro volume da trilogia, "A Floresta dos Pigmeus", tem como tema de fundo a paz. Eu o escrevi quando o presidente George W. Bush invadiu o Iraque e eu estava com toda a minha família protestando nas ruas contra a guerra. O tema é a resolução dos conflitos sem mais violência. Nos três livros, só pretendi levar meus jovens leitores a mundos remotos e entretê-los com uma aventura. Em nenhum caso quis pregar mensagens que eles não necessitam, já que sabem mais do que eu sobre esses temas.
Valor: São livros que se inserem na visão que a senhora tem do meio ambiente? O que se faz, no Chile, para preservar o meio ambiente?
Isabel: Existem no Chile várias organizações que defendem o meio ambiente da cobiça de certas empresas e da indiferença do governo, entre elas a Defensa del Bosque (Defesa da Floresta), à qual pertenço. Esse grupo procura salvar as florestas nativas do Sul, que a indústria madeireira explora. Trata-se de árvores centenárias, quase impossíveis de serem substituídas.
Valor: O Chile, hoje, não passa de um cenário para suas histórias? Ou ainda é o protagonista de sua literatura?
Isabel: Ainda que tenha vivido fora do Chile durante 30 anos, é o país que tenho no coração. Escrevo sobre o Chile com freqüência e o visito ao menos três vezes por ano. O Chile representa minhas raízes culturais, minha juventude.
Valor: A senhora acha que o país já acertou as contas com seu passado recente?
Isabel: Passaram-se 32 anos do golpe militar no Chile e ainda não se conseguiu castigar os culpados. Não creio que possamos esperar justiça, mas ao menos se mostrou a verdade. Pode-se impedir, assim, que se voltem a cometer as mesmas atrocidades. Pinochet e companhia violaram os direitos humanos e roubaram como bandidos. Passarão à história como criminosos.
Valor: Voltará a viver no Chile um dia?
Isabel: Vivo na Califórnia com meu marido americano, minha família completa, exceto meus pais, que vivem em Santiago. A um quarteirão de minha casa vivem meu filho Nicolás e três de meus netos. A dois quarteirões vive Ernesto, viúvo de minha filha Paula (a doença e a morte da filha é o tema do livro "Paula" ), que voltou a se casar e agora tem duas meninas. Seria muito difícil para mim mudar para o Chile. Sem dúvida, não me agrada a direção que os EUA tomaram no governo conservador e fundamentalista de Bush. Se a situação política continuar tão mal, talvez me decida a viver no Chile.
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