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Ellen Wood discute a democracia no capitalismo

(11/05/03)


Livro analisa conceitos que fundamentam a cidadania no mundo antigo e no atual

HAROLDO CERAVOLO SEREZA

Num certo sentido, não há uma grande novidade na oposição que a norte-americana Ellen Meiksins Wood, professora da Universidade de York, em Toronto (Canadá), faz entre o capitalismo e a democracia. A idéia de que a igualdade jurídica e política que acompanha a instalação das democracias ocidentais é extremamente limitada pela realidade da produção acompanha a história da crítica ao capitalismo, especialmente a feita pelos socialistas.

Ellen, em seu recém-lançado no País Democracia contra Capitalismo - A Renovação do Materialismo Histórico (Boitempo, 264 págs., R$ 39), defende ainda, como o fazia o geógrafo brasileiro Milton Santos, que a globalização depende, cada vez mais, dos Estados nacionais: não há capitalismo globalizado sem Estado nacional, ou seja, não há capitalismo global sem poder regional, porque o poder regional é que organiza a globalização.

Essa última consideração resulta numa série de conseqüências. E ajuda a explicar a continuidade de uma política militar agressiva por parte dos EUA depois da queda do Muro de Berlim e do desfacelamento do bloco soviético.

Sobre esse aspecto, num debate que participou na Faculdade de Economia e Administração da USP, Ellen criticou diretamente o livro Império, de Michael Hardt e Antonio Negri, que defende que há um enfraquecimento dos Estados nacionais.

"Participei de um debate com Hardt na época da invasão do Afeganistão e ele nem a mencionou." O tema do encontro era a guerra, conta. Para Ellen, uma das motivações para as guerras é, justamente, a necessidade de impor governos locais não apenas simpáticos às necessidades do capitalismo global, mas também capazes de fazer valer suas vontades - o que nem sempre acontece, criando, necessariamente, novas tensões.

Se Ellen não surpreende em algumas das idéias centrais de seu livro e pelos adversários teóricos dentro das fileiras esquerdistas, sua obra se torna bastante interessante quando aprofunda essas idéias, adota algumas abordagens ousadas e mostra-se capaz de analisar a trajetória de conceitos, como o da própria da democracia, desde suas origens até o que significa para a sociedade norte-americana contemporânea.

A primeira parte da obra procura redefinir e discutir alguns dos conceitos mais importantes da teoria marxista, como classe, luta de classes, base e superestrutura, etc. O segundo ensaio dessa parte, justamente sobre base e superestrutura, dá uma idéia dos problemas que ela se propõe a enfrentar logo em seu início: "A metáfora base/superestrutura sempre gerou mais problemas do que soluções. Embora o próprio Marx a tenha usado muito raramente e apenas nas formas mais aforísticas e alusivas, ela passou a suportar um peso teórico muito superior à sua limitada capacidade."

O livro é dividido em duas partes - e é a segunda que lhe empresta o título.

Ellen a inicia com uma erudita e, ao mesmo tempo, concreta análise do conceito de democracia antiga e moderna, partindo do princípio de que. "Os gregos não inventaram a escravidão, mas, em certo sentido, inventaram o trabalho livre", escreve. Ela procura, então, mostrar como o trabalho livre tinha um papel fundamental na idéia de cidadania entre os gregos, um problema comumente não aprofundado quando o assunto é tratado. Na sua opinião, o "trabalho livre", como fator determinante do movimento da história, no mundo antigo, "foi eclipsado pela escravidão" - o que teria mais a ver com a política da Europa moderna do que com a realidade das cidades gregas. "Não se trata de os historiadores não terem reconhecido o fato de ser o corpo de cidadãos de Atenas composto em grande parte de cidadãos que trabalhavam para viver. Pelo contrário, trata-se de que esse reconhecimento não foi acompanhado de um esforço simultâneo para explorar a significação histórica desse fato notável."

A autora mostra também como a discussão sobre a democracia, na origem dos Estados Unidos, passava não só pela extensão dos direitos civis, mas também pelo limite que deveria ser encontrado para a participação popular.

Nos capítulos finais da obra, Ellen discute questões que estão no centro do debate da democracia norte-americana, como as relações de gênero e raça, questões ecológicas e o pacifismo. Para ela, essas são bandeiras importantes, mas que não eliminam as maiores contradições do capitalismo - entre elas, a de haver promovido a democracia e a de, de modo crescente, precisar controlá-la.



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