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Che S.A.

(09/05/04)


DIEGO ASSIS
DA REPORTAGEM LOCAL

É preciso endurecer, mas sem perder a ternura. Gisele Bündchen que o diga. Desde que foi capturado pelas lentes do fotógrafo Alberto Korda, em 1960, o rosto do guerrilheiro Ernesto Che Guevara vem rompendo sua "exclusividade" com a militância de esquerda e ilustrando objetos cada vez mais prosaicos. Ou menos ideologizados: isqueiros, garrafas de vodca, bonés e biquínis.
Com badalada estréia mundial, "Diários de Motocicleta", o novo filme de Walter Salles, sobre a viagem do então estudante de medicina argentino que ficaria conhecido mais tarde como líder da revolução cubana, é não só mais um produto do interesse da indústria pela figura de Che. Para o canadense John Trigiani, dono da maior loja de artigos temáticos de Guevara na internet, o filme vai funcionar como uma baita propaganda gratuita.
"Estou percebendo um início de movimentação com esse filme, que vai se ampliar ainda mais com a estréia de outro, em 2005, com Benicio del Toro e direção de Steven ("Traffic") Soderbergh", comemora Trigiani, 36, um ex-fotógrafo que há cinco anos resolveu montar sua própria filial de produtos Guevara, depois de cansar de trazer camisetas e broches sempre que visitava um amigo cubano. Mais do que camaradagem, as encomendas ajudavam a pagar suas viagens.
"Só comecei porque havia demanda. Os americanos queriam as camisetas, mas não podiam [ir comprar] por causa do embargo."
O negócio, que começou no site de leilão e-Bay e hoje tem endereço próprio (www.thechestore. com), não pára de crescer. "Produtos para todas as suas necessidades revolucionárias", é o slogan da loja, cuja clientela é constituída 85% por norte-americanos.
No Brasil, o rosto de Guevara freqüenta não apenas as portas de universidades, reduto tradicional de seus fãs. O ícone comunista hoje alimenta o despudor hipercapitalista da indústria da moda.
"Essa é uma estampa superpop, que está em camelôs do mundo inteiro. É uma coisa que toda hora volta", afirma Fabiana Kherlakian, 36, diretora de criação da Cia. Marítima, que em 2002 ajudou a criar o famoso biquíni que Gisele Bündchen desfilou na passarela do São Paulo Fashion Week, exibido até em capa da revista norte-americana "Time".
"Não tínhamos nenhuma pretensão de fazer política. A imagem do Che é só uma imagem pop como a do Mickey. É uma imagem que se transforma ao longo dos anos. Em 2029 ela vai ter um outro significado."
A fotógrafa e estudante de publicidade Talita Abrão Ferraz, 23, dona de uma camiseta da Forum com a estampa de Guevara, tampouco vê conotação política na imagem. "Não sou a favor do comunismo nem de nenhum tipo de ditadura. Mas o Che era diferente. Ele simboliza esse espírito solidário que eu queria muito ter, mas muitas vezes não tenho", conta ela, que ganhou a camiseta em 97, época em que estava começando a ler livros sobre Cuba.
"Na época eu não tinha muita noção desse conflito [a imagem de um guerrilheiro comunista numa roupa de grife capitalista]. Era apenas a camiseta de mais bom gosto que encontrei no meio de tanto lixo que a gente vê por aí."
"Comprei só porque achei bonita a estampa, não é porque sou fã do Che Guevara, não!", esclarece a arquiteta Priscilla Vianna, 30, que adquiriu uma das peças da Cia. Marítima na época do lançamento. Febre que exigiu da empresa uma série de reedições e novas encomendas, o biquíni foi parar ainda no corpo de tops da moda, como a brasileira Adriana Lima e a tcheca Karolina Kurkova.
"Tem quem use porque o admira e tem quem use porque é bonito", lembra Vianna, que já aposentou o biquíni.
"Idealizar o Che como um símbolo pop é desvirtuar a trajetória dele de ícone revolucionário a algo pronto para o consumo. Vários jovens usam a imagem como um símbolo da juventude, mas não sabem por quê. Não conhecem as frases dele", critica o estudante Jeomark Roberto, 25.
Apesar da carteirinha de integrante do grupo União Juventude Rebelião, nem Roberto escapa do alcance das Guevara S.A. Mesmo tentando seguir à risca o exemplo de "solidariedade e coragem" do guerrilheiro, também ele e sua UJR vendem as camisetas de Che pela bagatela de R$ 10.
Revolução? Quer pagar quanto?



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