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Brasil fatura pouco com tratado de Kyoto

(20/11/04)


CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA

A entrada em vigor do Protocolo de Kyoto, marcada para 16 de fevereiro próximo, está fazendo decolar de vez o mercado de carbono, no qual empresas brasileiras já fecham contratos para ganhar dinheiro vendendo a países ricos direitos de poluição. Essa é a boa notícia. A má é que esse mercado não será tão grande.
Segundo estimativa de Alexandre Kossoy, analista do PCF (Fundo Protótipo de Carbono) do Banco Mundial, o país deve abocanhar no máximo 10% do mercado de créditos de carbono gerado pelo MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo), dispositivo de Kyoto que permite aos países industrializados abaterem de suas metas de corte de emissões de gases-estufa reduções compradas em países subdesenvolvidos.
Assumindo que o preço da tonelada de carbono chegue a US$ 10 -hoje ela é negociada a US$ 4- depois que Kyoto começar a funcionar, isso significa US$ 400 milhões durante toda a vigência do protocolo, que vai até 2012.
As empresas brasileiras deverão faturar algo da ordem de dezenas de milhões de dólares por ano -nem de longe o US$ 1 bilhão anual previsto pelos otimistas durante as negociações do tratado.
"O mercado deve ser minúsculo", disse à Folha Mario Monzoni, coordenador-adjunto do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo. "Não vai ser uma enxurrada de dinheiro", afirmou.
As razões para isso são várias. Elas têm a ver com a própria estrutura do protocolo, com a ausência dos EUA, com a lógica do mercado e com a presença de um peso-pesado no comércio de direitos de emissão, a China -além da própria matriz energética brasileira. O gigante asiático deve levar a maior parte dos US$ 4 bilhões projetados para o MDL.

Flexibilização
O acordo internacional contra o aquecimento global prevê que os países industrializados devem reduzir suas descargas de gases de efeito estufa (em especial o gás carbônico, ou CO2) em 5,2% entre 2008 e 2012. Segundo Kossoy, isso daria algo entre 4 bilhões e 5 bilhões de toneladas de CO2 equivalente que precisam ser cortadas, já que o maior poluidor do mundo, os EUA, está fora de Kyoto.
Como reduzir essas emissões no Primeiro Mundo é muito caro, o protocolo prevê três "mecanismos de flexibilização" para as nações ricas. Um deles é o MDL: os ricos podem comprar créditos de carbono (ou seja, direitos de poluição) de países subdesenvolvidos e ajudá-los a se desenvolver com menos emissões. Um projeto de aumento de eficiência energética numa usina a carvão chinesa, por exemplo, é muito mais barato que o mesmo projeto no Japão.
Outro mecanismo é a implementação conjunta, na qual países ricos negociam créditos de carbono entre si. Um terceiro é o chamado "ar quente" russo, o CO2 que a Rússia deixou de emitir como resultado da desaceleração da economia após o colapso da União Soviética e que, agora, ela pode vender para outros países industrializados, o chamado Anexo 1 do acordo de Kyoto.

Demora
O "ar quente", por oferecer carbono abundante e barato, deve ser uma das opções preferenciais dos países ricos que quiserem comprar certificados de redução de emissões. Além disso, países como os da União Européia devem preferir, por motivos políticos, fazer o dever de casa e reduzir suas emissões para valer, usando certificados o mínimo possível.
O MDL tem uma desvantagem adicional, diz Kossoy: "O tempo de construção de um projeto vai de 4 a 5 anos. Se você começa hoje, só vai estar pronto em 2010".
O problema é que quase ninguém acredita que haja um regime de redução como o de Kyoto após 2012. "Eu não acredito num segundo período", diz o físico Luiz Gylvan Meira Filho, da USP, membro do comitê-executivo do MDL. "Nossos compradores não trabalham com essa hipótese", concorda Kossoy.
Além de ser pequeno, o MDL já tem um cliente preferencial: a China. O país asiático tem uma matriz energética suja, baseada em usinas antigas de carvão mineral (que podem ser modernizadas para emitir menos a baixo custo), e um trunfo que atende pela sigla HFC-23.
Trata-se de um gás refrigerante usado pela indústria de geladeiras e condicionadores de ar que tem 11.700 vezes mais potencial de forçamento radioativo (ou seja, de esquentar o planeta) que o CO2. Os analistas estimam que países desenvolvidos em busca de créditos de redução significativos devam investir na substituição do HFC-23 pela indústria chinesa, e não em projetos energéticos no Brasil ou na Índia.
Para Meira Filho, toda a discussão em torno do que o Brasil pode abocanhar do mercado de carbono é mal formulada. Ele lembra que a matriz energética brasileira é limpa -baseada em hidrelétricas- e que o país produz pouco CO2 se for descontado o desmatamento na Amazônia. "Você não pode mudar o fato de que as nossas emissões são pequenas."



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