CASLA - NOTÍCIAS


A fala da Ministra de Meio Ambiente, Marina Silva

(03/01/03)


03/01/2003
Discurso da ministra Marina Silva na solenidade de transmissão de cargo

Discurso, de improviso, proferido pela Srª Ministra de Estado do Meio Ambiente, Marina Silva, por ocasião da transmissão de cargo. Brasília, 02 de janeiro de 2003 Auditório do Ibama – 11h30

MINISTRA MARINA SILVA – Bom-dia, primeiramente, desejo cumprimentar todos os colegas de mesa: Ministro Ilmar Galvão; meu colega de Casa e agora governador do Ceará, Lúcio Alcântara; Ministro José Carlos Carvalho, a quem desejo agradecer o companheirismo de todo o processo de transição e a parceria que formamos durante sua gestão – V. Exª no Ministério e eu no Parlamento; meu companheiro de sonhos e de utopia, agora Ministro da Educação, Cristovam Buarque (palmas); meu companheiro de jornada, de realização de sonhos, Jorge Viana, governador do Acre (palmas); e Rômulo Mello, aqui representando a casa que nos recebe – o IBAMA.

Quero dizer a todos vocês – aos que já foram citados e aos que ainda não o foram – que agradeço, em primeiro lugar, a Deus e, em segundo lugar, ao povo brasileiro por estarmos vivendo este momento, um momento de muita emoção.

Quero pedir desculpas porque fiz um pronunciamento escrito, que ia ler, com pontos importantes de nossa proposta. Mas todos vocês são conhecedores de minhas dificuldades visuais, de sorte que não poderei lê-lo. Vou considerar o texto escrito como o oficial e falarei aqui com o coração, que vai estar ligado ao pronunciamento oficial. O texto escrito é importante porque a oralidade, às vezes, é um pouco afoita. Quando escrevemos, temos a oportunidade de pensar, de pontuar, de colocar o que é estratégico, enfim, de expressar as sinalizações e as diretrizes que desejamos expor. Quero fazer apenas essa ressalva. Minha filha Moara, com medo - porque, ao ler, junto vírgulas e pontos por não enxergar direito - disse-me: “Mamãe, por favor, não leia”. (risos)

Começo meu pronunciamento repetindo uma frase dita por Lula ontem no parlatório: “Não sou resultado de uma eleição, sou resultado de uma história”. Sinto que essa frase se aplica muito à minha história de vida, porque minha história de vida tem muito a ver com a união e as dificuldades enfrentadas no seio de uma família humilde e simples dos seringais do Estado do Acre, mais especificamente no Seringal Bagaço, colocação Breu Velho, que começou em 1958. A frase proferida por Lula tem a ver com os referenciais que fui adquirindo, ao longo dessa trajetória de vida, desde aqueles que começaram ainda do berço somados à contribuição de três pilares muito importantes de todos os valores que hoje tenho e nos quais acredito: a minha fé cristã; o meu pai, o seringueiro Pedro Agostinho, que está aqui (palmas), e o meu saudoso companheiro, fundador de sonhos, do que hoje chamamos de socioambientalismo, Chico Mendes. (palmas) (...).

Reitero aqui as palavras de Lula quando disse que ele não era fruto de uma eleição, mas de uma história. A eleição é apenas um pequeno pedaço da história que o povo brasileiro vem construindo ao longo de 500 anos. Quero dizer, também, que todo esse processo tem a ver com a luta dos movimentos sociais, e o movimento local começa com a Aliança dos Povos da Floresta, de seringueiros e de índios, aqui representados na figura de Sebastião Manchinery. Todo esse processo tem a ver com a instalação de um governo que tenta colocar, com ousadia, dentro de seu próprio coração, o desafio do desenvolvimento sustentável no Acre, por meio da atuação do meu companheiro Jorge Viana.

Fazer parte de um governo como o de Lula, para mim, é motivo de honra, mas também de muita ousadia: a ousadia de ir além do possível, a ousadia de ir além do que dá para fazer. Em Meio Ambiente sabemos disso. Os que vêm de uma tradição de luta nas comunidades; os que vêm de entidades; os que vêm do setor produtivo – aqueles que têm responsabilidade social e ambiental; os que estão à frente das instituições públicas, todos sabem que não podemos ficar presos à lógica do possível (palmas). O possível é feito para ser removido, o possível é ficarmos onde estamos, o possível é, muitas vezes, não sair do lugar em um País em que precisamos sair do lugar para poder gerar riquezas, para poder fazer com que o País volte a crescer, gere empregos, gere renda e acabe com a exclusão social, que tanto tem envergonhado nossa história política, econômica e social. Participar do Governo Lula, para mim, é tudo isso e é também assumir a função estratégica da grande mudança que precisa ser feita.

Tenho dito que precisamos sair da fase do "não pode", para a fase do "como pode" se fazer da forma correta. (palmas) Esse é um desafio muito grande, mas não impossível. As comunidades, sobretudo as mais simples; as entidades e até mesmo abnegados funcionários públicos, dirigentes de repartições públicas, governos locais têm-nos ensinado que há muito para ser feito. Às vezes, confrontam essa capacidade de fazer diferente, mostrando ao poder público que é possível, com pouco dinheiro, com pouco apoio, realizar ações que depois podem ser transformadas em políticas públicas de desenvolvimento.

Participar desse governo é um compromisso de dar escala às experiências que já estão dando certo no campo da inclusão social, da saúde, da educação, do meio ambiente. E, no meio ambiente, temos uma diversidade muito grande de experiências exitosas.

Assinalo, também, um aspecto fundamental do que considero ser o papel estratégico de uma política ambiental para o Brasil. Eu me considero uma mulher de processo. Não acredito em nenhuma visão que se constitua como niilista, não levando em conta os acúmulos de empreendimentos já realizados. E é por isso, José Carlos, que quero dizer a você que as muitas experiências boas do seu governo e as do governo do Ministro Sarney serão respeitadas e levadas adiante (palmas), mas também avançaremos para os novos passos que precisam ser dados. Buscaremos corrigir as falhas que não foram possíveis de ser corrigidas durante a atual gestão, mas faremos isso com a compreensão de que, ao término de nosso mandato, quem nos suceder também achará falhas que precisarão ser corrigidas e também achará virtudes que precisarão ser ampliadas.

Os eixos da ação do governo que se inicia têm a ver com a compreensão de que já falei anteriormente: sair da fase do "não pode" para a fase do "como pode". Os setores produtivos precisam de respostas, e essas não podem ser dadas única e exclusivamente pelo esforço da sociedade. É preciso haver uma parceria entre governo e sociedade para que essa nova forma possa brotar como novo paradigma de desenvolvimento, em que se compatibilize o desenvolvimento econômico, a preservação do meio ambiente e a melhoria da qualidade de vida. Nesse sentido, é um compromisso a possibilidade de criarmos, nos vários segmentos do governo, os instrumentos econômicos necessários para viabilizar a forma correta do fazer.

Dos programas gestados pelas comunidades do Pará, onde vejo o encontro feliz da saga dos Ganzer - e hoje aqui está meu companheiro Avelino Ganzer – com o sonho e a luta da Aliança do Povos da Floresta, no Acre, fomos criando propostas e projetos muito importantes que devem ser levados a cabo. Experiências como o Pró-Ambiente, Avelino, com certeza, podem se constituir em esperança para a agricultura familiar, dando a resposta que nosso presidente Lula quer, para que possamos, em todas ações do governo, compatibilizar as necessidades do combate à fome e as do combate à miséria.

O meio ambiente é o espaço, por excelência, para a combinação das políticas de combate à fome com as políticas de combate à exclusão social e com a questão ambiental. Temos grandes desafios a vencer. Para isso precisamos elaborar uma política ambiental que se constitua em eixos estruturantes de nossas ações, e esses eixos estruturantes – eu tenho dito – significam uma política transversal, uma ação de governo em que o (Ministério do) Meio Ambiente não seja visto como uma ONG institucional, em que esforçadamente tentamos convencer nossos parceiros de governo para que considerem a variável ambiental em suas ações.

É preciso compreender que o desenvolvimento, já na sua origem, deve incorporar a participação consciente da sociedade, isto é, dos segmentos afetados pelas políticas governamentais, para que eles não venham a opinar apenas no momento da redução de impacto ambiental. Essa é a visão de desenvolvimento sustentável. É criar mecanismos de participação da sociedade em que o interesse público esteja à frente de todas as nossas ações; é entender participação como direito à informação, à decisão qualificada, e não apenas participação no sentido de legitimar a ação do governante. Esse processo já está em curso e, com certeza, ele será cada vez mais aperfeiçoado.

É preciso compreender que somos um País altamente diversificado: temos uma pluralidade cultural fantástica, temos biomas estratégicos muito importantes para nossa economia, para nossa sociedade, para o equilíbrio do planeta. Compreendê-los, cada um na dimensão de suas necessidades, é papel estratégico do Ministério do Meio Ambiente.

A Amazônia é um espaço importante, o Cerrado também o é. Temos de perceber que talvez seja na caatinga, no semi-árido, onde temos os maiores problemas sociais, que a transversalidade da problemática ambiental deva se fazer presente com toda a força. (palmas) Temos de compreender que a ação do Ministério precisa ser feita em todos os espaços da realização da cultura humana, dos grandes assentamentos urbanos às pequenas comunidades no interior do sertão.

Quando integrei a Comissão de Combate à Pobreza, tive a oportunidade de ver o que significa a escassez de água. Eu nasci pobre, em meio a muita água. Mas, na Comissão de Combate à Pobreza, ao visitar Alagoas, o Estado da minha querida guerreira, Senadora Heloísa Helena (palmas), pude ver, em São José da Tapera, famílias que colocavam lama em um saco e uma bacia embaixo desse saco. Esperavam que aquilo pingasse algumas gotas para ter água para lavar louça, para tomar banho. Essa realidade precisa de mudança, uma mudança estratégica que compreenda os recursos hídricos também como estratégicos para as várias dimensões das necessidades humanas, tanto no sentido de darmos água em quantidade e qualidade adequadas para a população, quanto para a função estratégica de produção de energia, além de outros aspectos.

Gostaria de dizer a todos vocês que esse desafio quero articular, como me pediu meu companheiro Lula... Aliás, neste governo, é muito difícil termos formalidades. Vejo aqui uma família de Silvas, parece um grande nepotismo (risos): é Lula da Silva, Benedita da Silva, Vicentinho da Silva, José Alencar Gomes da Silva (palmas). E esse sobrenome Silva, às vezes, não dá muito conta da formalidade, mas dá a base essencial da esperança do povo brasileiro, de todos os homens e mulheres de bem que sabem que um Silva na Presidência do Brasil significa a maioria de trabalhadores, a maioria de pessoas empobrecidas, todos cheios de esperança de juntar os melhores sonhos. Como diz o meu querido irmão de luta, Dom Mauro Morelli, os sonhos dos que são, dos que sabem, dos que podem, dos que têm, com os sonhos dos que não são, não sabem, não podem e não têm para que um dia saibam, possam e tenham, porque a diferença de classes não nos separa da diferença de propósitos.

Acredito que, se tivermos o propósito ético de desenvolvermos este País com justiça social e ambiental, haveremos de achar as respostas certas. Muitas delas, meu querido Cristovam – que com muita alegria eu recebo como nosso Ministro da Educação, porque tu és um grande educador para mim em termos de utopia (risos e palmas) –, nós já as temos, mas talvez elas tenham de ganhar apoio. Por exemplo, aqueles que hoje estão na produção florestal precisam de respostas para o manejo do meio ambiente, eles querem fazer as coisas de forma legal, de forma correta, e precisamos viabilizar os espaços para isso. Há ainda aqueles que estão à frente da agricultura familiar, como já falei; há aqueles que estão à frente da grande agricultura, que precisa ser igualmente sustentável; e há aqueles que estão na atividade industrial – e, graças a Deus, já temos bons empresários na vanguarda desse processo, empresários que constituem uma elite estratégica que pensa no futuro, que investe no futuro, que não sacrifica recursos de milhares e milhares de anos pelo lucro de apenas 10 anos –, todos precisam de nossas respostas.

Quero dizer que estou muito feliz e, ao mesmo tempo, sinto um friozinho na barriga ao enfrentar esse desafio. Albert Einstein dizia: se vejo mais longe do que os outros é porque me apóio sobre ombros de gigantes. E eu sei que, neste Ministério, para chegarmos em algum lugar teremos necessariamente de nos apoiar nos ombros, nas pernas, nos braços e, sobretudo, nos sonhos e na utopia de todos os gigantes que estão aqui e em todos os que estão lá fora esperando por essa grande aliança do Brasil consigo mesmo, do Brasil com suas maiores e melhores verdades.

Sebastião Salgado visitou-me anteontem e deu-me uma boa dica: Marina, este governo tem de ser um governo de militantes, não pode ser um governo de presidente, de ministra, de dirigentes, de funcionários públicos que cumprem a sua obrigação. Tem de ser um governo em que todas essas pessoas possam dar um delta a mais como militantes, porque cumprir com a obrigação é muito pouco diante do que esse povo espera de nós. Temos de fazer deste governo o espaço onde vamos realizar os nossos melhores e os nossos mais vívidos sonhos.

Quero agradecer a presença aqui de todos os aliados e os aliançados, dos funcionários, dos dirigentes, e, particularmente na pessoa do Ministro José Carlos, agradeço a todos os secretários, ao presidente do Ibama e ao da ANA. Nosso grande desafio para fazer essa parceria com a sociedade talvez seja fazer uma parceria, em primeiro lugar, entre nós; talvez seja criar uma política transversal em nossa própria casa, depois com os outros setores e aí com a sociedade. Não uma coisa após a outra, mas tudo junto. Se procedermos assim, aprenderemos a fazer o que a minha fé cristã, evangélica, com o melhor que a fé cristã da Teologia da Libertação, aqui representada pelo meu amigo Boff, me ensinou, que é oferecer a parte mais importante do amor: a outra face. (palmas) Para a face da prepotência, a humildade do saber que possuímos; para a face do anseio pelo poder, pela autoria das coisas, a face da diluição do poder, a divisão da autoria, do reconhecimento; a divisão da realização dessas mesmas coisas.

Quero que nosso governo possa oferecer sempre a outra face. Para a face da crítica pela crítica, da desculpa, do descarregar naquele que está deixando o cargo as razões para não fazer, a face do fazer a partir do acúmulo já existente de conhecimento, para começarmos a agir da forma correta. Agradeço a todas as pessoas que estão imbuídas desse propósito.

Quero reiterar que, inicialmente, para essa jornada, além de todos os funcionários do Ministério – e, quando falo em funcionários do Ministério, estou falando do Jardim Botânico ao Ibama, do Ibama a todas as gerências executivas –, sejam eles efetivos ou provisórios, precisaremos de todos para que possamos realizar essa grande esperança do povo brasileiro.

Ao concluir, agradeço a todos os que trabalharam na equipe de transição, na pessoa do companheiro Gilney Viana. (palmas) Existe uma parte nesse processo que é muito difícil – e o Jorge (Viana) pode dar até umas risadinhas internas. Eu nunca tinha montado ou pensado em montar uma equipe de governo. (No Acre) ganhamos o governo duas vezes, e sempre, quando chega esse momento, eu digo: vocês vão agindo, e vamos conversando. Eu vou verificando se é isso mesmo, vou dando opiniões. Como é difícil!... Lula disse que para o ministério que montou teria, pelo menos, mais três de pessoas igualmente competentes. Tenho certeza de que, para o grupo dirigente que vou montar, ouvindo pessoas, levando em conta vários aspectos, deve existir pelo menos um grupo de mais dez que poderia cumprir a mesma função. É uma decisão que vou tomar, o que não significa abdicar da contribuição de nenhum desses companheiros.

Para o Ibama, convidei meu companheiro, meu professor de lutas – que, no Amazonas, era uma referência para mim lá no Acre –, médico, presidente do Inpa, ex-reitor da Universidade do Amazonas, Marcus Barros (palmas), para fazer uma política integrada dentro do ministério. Lula disse a mim, ao Cristovam e aos outros ministros: não quero, companheiros, política de ministro, quero política de governo.

Quero repetir aqui: não vou fazer política de ministra, vou fazer política de governo; não vou ser complacente com política de setores. No Ministério, quero que façamos unidos essa política de governo, junto com todos os seus órgãos dirigentes: o Ibama, as Secretarias, o Jardim Botânico, enfim, todos nós, juntos, vamos fazer o que o povo brasileiro nos delegou. Agiremos em parceria em um governo que trabalhará com as pessoas, em vez de para as pessoas; em um governo que não terá um salvador da pátria, mas terá muitos imbuídos do mesmo propósito de acertar. Se errarmos, teremos de ter a humildade para novamente nos colocar no caminho certo.

Muito obrigada, que Deus no ajude a fazer uma política de país, uma política de nação.

Transcrição: Rosa Maria Gomes da Silva Nunes


InforMMA



há mais de 20 anos na Luta pela Integração Latino-Americana