CASLA - FILMES


Vozes (Voces) Inocentes de Luis Mandoki (sobre El Salvador)

(Político)

(2004)


"VOZES INOCENTES"

El Salvador revisita seu conflito civil
SYLVIA COLOMBO
EDITORA DO FOLHATEEN

Primeiro foi "Machuca", o filme chileno que interpretava o golpe militar de Augusto Pinochet (1973) pelos olhos de dois garotos. Agora, "Vozes Inocentes" conta a história do pequeno Chava, um carismático menino salvadorenho que vê a favela onde mora se despedaçar em meio a combates entre guerrilha e governo, durante o conflito civil que cindiu El Salvador nos anos 80, matando mais de 70 mil pessoas.
Enredos que emocionariam qualquer Victor Jara, ou outro autor latino-americano de canções de protesto da década de 70 -com crianças oprimidas, governos tiranos, romances juvenis e cenário natural lindíssimo-, esses dois filmes têm, aos olhos de hoje, tudo para resultarem em experiências lacrimosas e apelativas.
Aparte esse ponto de partida inevitável, cada uma das produções citadas tem lá seus méritos. E o principal é lançar luz a um período tão marcado pela disputa ideológica com certo ar de ceticismo, como se o tempo passado já oferecesse algum distanciamento histórico e sentimental dos fatos.
Se "Machuca" se destacava por expor o lado menos retratado do golpe chileno, o dos que comemoraram o início da ditadura sangrenta, "Vozes Inocentes" explora o ponto em que, em El Salvador, a violência passou a ser comum tanto às tropas do governo quanto aos guerrilheiros.
Chava tem 11 anos. Aos 12, os garotos salvadorenhos eram tirados à força das escolas para tomar parte do Exército e combater a guerrilha esquerdista FMLN (Frente Farabundo Martí para la Liberación Nacional).
Na escola, enquanto os mais velhos são colocados em filas para empunharem armas, Chava está decorando os, a essa altura, inúteis denominadores comuns.
Baseado numa história real, a do roteirista salvadorenho Oscar Torres, o filme tem seu eixo nas dúvidas e escolhas do menino. De um lado, ele crê que deve cumprir a promessa que fez ao pai antes deste fugir para os EUA, a de cuidar da mãe e dos irmãos e de ser "o homem da casa".
De outro, quer seguir o tio, verdadeiro estereótipo do guerrilheiro barbudo que perambula com um violão embaixo do braço, e tomar parte da frente "libertadora".
Não há economia nas cenas violentas. Casas incendiadas, enforcamentos, tiroteios e meninos executados com balas na nuca são lançados aos olhos do espectador, para que este escolha seus bandidos e seus mocinhos.
Em tempos de balanço do papel da Igreja Católica, é interessante reparar no padre progressista que permite que os guerrilheiros subam ao campanário da paróquia para atirar nos soldados e prega: "Rezar só já não basta".
Tanto "Vozes Inocentes" como "Machuca" se inserem numa fornada de filmes latino-americanos recentes que, voluntariamente ou não, chamam a um revisionismo histórico. Com mais ou menos lucidez, lustro comercial ou sentimentalismo, um punhado de produções tem abordado tanto o período de ditaduras no Cone Sul como as raízes da opção revolucionária. O brasileiro "Diários de Motocicleta" (Walter Salles) e os argentinos "Kamchatka" (Marcelo Piñeyro) e "Cautiva" (Gaston Biraben) são alguns deles.
É curioso que, pelo menos no cinema, o continente pareça se deitar no divã para tentar entender suas opções políticas do passado, justamente num momento em que alguns vêem uma "guinada" latino-americana à esquerda.
Se "Vozes Inocentes" contribui ao debate, já vale ser visto, só não esqueça de descontar a choradeira fácil e o romantismo bobo.

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Vozes Inocentes
Voces Inocentes

Direção: Luis Mandoki
Produção: México/EUA/Porto Rico, 2004
Com: Leonor Varela, Adrian Alonso, Daniel Giménez Cacho




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