CASLA - FILMES


ESPERANDO O MESSIAS - filme argentino

(Drama)

(2000)


SYLVIA COLOMBO
EDITORA-ADJUNTA DA ILUSTRADA

O cinema argentino contemporâneo parece ter feito uma aposta clara por tomar a desordem nacional -causada pela grave crise política e econômica que vive o país- como oportunidade para deitar seus cidadãos no divã, revolvendo e analisando a psique de um povo e sua história. Mais um exemplo dessa inclinação chega hoje ao Brasil com a estréia de "Esperando o Messias", do jovem cineasta Daniel Burman, 29.
A história se passa na época do Natal, num bairro judeu de Buenos Aires. Ariel é um rapaz de classe média, desempregado, cuja mãe acaba de morrer. "Reconstruí o ambiente em que vivi na adolescência", disse Burman, tido como uma das revelações do chamado novo cinema argentino, em entrevista à Folha, por telefone, de Buenos Aires.
Ariel tem uma escolha a fazer. Ou toca em frente a vida que lhe está traçada pelo que chama de "o plano" -casa-se com a namorada de infância, também judia, e segue ajudando o pai a tocar o bar da família- ou questiona sua religião e procura pelo que mais o mundo pode lhe oferecer.
A segunda opção, que mais lhe apraz, logo o frustra. Afinal, o mundo de que falamos é um país cujas esperanças foram destruídas e em que nem mesmo a religião parece trazer conforto.
No trabalho noturno que consegue arranjar, Ariel encontra Laura, uma jovem lésbica em crise com sua sexualidade, por quem se apaixona. Paralelamente, Ariel busca construir uma nova relação com o pai, Simón (vivido pelo veterano Hector Alterio, de "O Filho da Noiva" e "A História Oficial"), no novo contexto familiar que se coloca depois da morte da mãe.

Marginalidade
O personagem mais comovente do filme, entretanto, é Santamaría, um desempregado que passa os dias a revirar lixeiras em busca de documentos. Devolvendo-os aos proprietários em troca de dinheiro, Santamaría forja uma nova e original profissão.
"Se Ariel quer encontrar sua verdade ao confrontar a religião e Laura debate-se com sua sexualidade, a busca de Santamaría é a mais primária, a de alguém que está à margem da sociedade e tem de encontrar uma forma de tornar-se membro dela."
Burman conta que o personagem é baseado em uma experiência real. "Era época de Natal como no filme e eu havia perdido meus documentos. Um homem me ligou, disse que os tinha encontrado e marcamos um encontro num bar na avenida Corrientes. Então conheci esse sujeito que vivia dos restos deixados pela criminalidade, documentos jogados no lixo por outros ladrões que tinham de se desfazer das evidências de seus delitos."
Para Burman, Santamaría é também o retrato de uma marginalidade que está desaparecendo na Argentina. "Há 15 anos tínhamos uma pobreza mais glamourosa, como a de Santamaría. Hoje a crise agrava cada vez mais a situação e caminhamos para conviver com uma criminalidade mais violenta. Minha geração tem o triste privilégio de dizer que há uma década este era um outro país, algo que, normalmente, são os pais que dizem aos filhos."
Se a busca de Ariel é religiosa, a de Laura é sexual e a de Santamaría, social, quem, afinal, é o "messias" do título? Responde Burman: "Para mim, o messias não é um tipo que um dia virá à porta dizer: "A verdade é esta". Ele é nossa busca permanente de construir e compreender quem somos".
"Esperando o Messias" é o segundo filme de Burman (o primeiro foi "Un Crisantemo Estalla en Cincoesquinas"), que tem hoje outra película em cartaz em seu país, a comédia romântica "Todas las Azafatas Van al Cielo" (Todas as Aeromoças Vão para o Céu), ganhadora do concurso de roteiros do Festival de Sundance. Em abril, começa a rodar um novo longa, "Abrazo Partido".

Cinema argentino
O sucesso do cinema argentino contemporâneo reside, sem dúvida, no diálogo que promove entre a sociedade e a crise política e econômica do país. A receita do êxito, porém, também poderia ser a de seu fracasso -tanto estético quanto de bilheteria- caso esses cineastas optassem por politizar seus filmes, produzindo panfletos cuja tendência seria a de se tornarem documentos datados e de interesse bem pouco universal.
Burman concorda que exista uma opção quase que coletiva dos diretores de focar os aspectos humanos, e não políticos, da crise.
Para o sucesso do novo cinema argentino, o cineasta tem uma opinião bastante particular. "Vivemos num estado de tanta instabilidade e caos que temos a impressão de que tudo o que concluímos é pela última vez. O amor que se faz, o filme que se completa parecem ser sempre os derradeiros. Isso é muito libertador."
O fator moda, diz, também influencia. "Ontem foi o cinema iraniano com suas criancinhas, hoje é a Argentina neste caos. Amanhã, quem sabe, talvez o cinema de Burkina Faso [risos]?"



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ESPERANDO O MESSIAS. Produção: Argentina/Itália/Espanha, 2000. De: Daniel Burman. Com: Daniel Hendler, Enrique Piñeyro e Hector Alterio. Quando: estréia hoje nos cines Frei Caneca 6 e Cineclube DirecTV.




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